A gordinha na Hípica

O conto desse mês da escritora Neyd Montingelli é sobre uma menina que encontrou sua alegria no hipismo.

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A gordinha na Hípica

Anelise acordou radiante como o sol naquela manhã de sábado. Parecia um passarinho de tão feliz.

O pai abre a porta do quarto devagar pensando encontrar a filhota ainda dormindo e o que vê é uma mocinha pronta para a atividade do dia. Ele nunca vai entender! Durante a semana é aquela luta para tirar a menina da cama para ir à escola e no sábado ela acorda SOZINHA? Como pode?

– Já está pronta? Não preciso implorar? Subir aqui 10 vezes e chamar, chamar… O que tem nessa Hípica que faz você levantar da cama cedo no sábado? Vou envelhecer e não vou entender.- O pai abraça a bochechudinha menina de 13 anos e os dois descem para o café da manhã.

Depois do animado desjejum, os dois seguem para a Hípica. A mocinha vai para a baia buscar seu cavalo e faz a aula contente. Depois fica por ali, lidando com o cavalo, conversando com o tratador, com os amigos até o meio dia. Não adianta o pai vir buscar antes, mesmo que esteja a maior chuva. Ela sempre tem alguma coisa para fazer antes de ir para casa.

Dois anos antes ela era uma menina apática, retraída, comilona, indo e vindo de  diversos médicos e especialistas. Iniciava os tratamentos e de nada adiantava. Cada mês o seu peso aumentava e a sua auto estima piorava.

Indicaram o hipismo e os pais levaram a menina na Hípica. Mais uma tentativa. Nas primeiras aulas ela foi emburrada, sonolenta e mau humorada. Pouco atendia às orientações do professor e nem sequer encostava no cavalo. Reclamava do culote, das botas, do capacete, do horário, do cheiro, do sol, de tudo.

Um dia, chegou mais cedo e teve que esperar até o início da aula. Como era emburrada e sempre ficava encostada na porta, naquele dia  estava chovendo teve que entrar no picadeiro e para espanto de todos, ficou vendo a aula das crianças especiais. Ela quase chorou. Era a aula da equoterapia. Ficou ali, envergonhada e emocionada vendo aquelas crianças com tantas limitações físicas e felizes em montar. Elas acariciavam os cavalos, riam, movimentavam-se para lá e para cá e as mães sempre tinham uma palavra, uma frase de felicidade para dizer: “olha, ele já segura sozinho, ela esta levantando a cabeça, ele quer beijar o cavalo…”.

Anelise foi até o quartinho dos alunos, colocou a bota, o capacete e andou  pelo corredor  parando em todas as baias,  olhando cada cavalo demoradamente. A partir daquele dia nasceu o seu relacionamento com estes animais.

Chegando em casa, Anelise foi falar com a mãe e pediu que a levasse novamente na médica. Disse que iria começar um tratamento “de verdade”. Contou que viu as crianças com os cavalos e que ficou emocionada com a cena. As duas fizeram um pacto de ajuda mútua e resolveram pesquisar o uso do exercício com o cavalo para ajudar no emagrecimento. Isto foi fundamental para incentivar a menina quase obesa a seguir em frente com o tratamento.

A alimentação foi novamente modificada pela nutróloga, visando os exercícios.Na Hípica ela começou a dedicar-se nas aulas com o seu treinador.  Prestava atenção aos exercícios e era sempre a última a sair.  Começou também a participar das provas, com boa colocação no ranking.

Como perdeu peso, tornou-se uma menina mais alegre e fez amizade com os outros alunos da Hípica. Agora ela fazia parte de uma turma de jovens e neste ano o pai já prometera um cavalo só seu. Afinal, o hipismo ajudou a menina a emagrecer.

Realmente, o exercício com o cavalo modifica a vida de qualquer pessoa. Principalmente a vida de uma criança com problemas com o peso e com a sua auto estima. Estudos demonstram a validade da equitação e da equoterapia como terapia de reabilitação para crianças com problemas motores, distúrbios de comportamento e alimentação e alteração de humor.

Esta terapia com o cavalo já era descrita como terapêutica desde o tempo de Hipócrates no seu livro “Das Dietas”,  em 377 a.c.  e somente séculos depois vemos a comprovação dos benefícios. Pela movimentação do cavalo, a pessoa recebe mais de 1800 estímulos, que percorrem toda a sua coluna vertebral indo até o seu Sistema Nervoso Central. Ajuda na concentração, postura e fortalece a musculatura. Quer melhor exercício que esse?

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Conto de Neyd M.M.Montingelli.
Neyd nasceu e mora em Curitiba, casada, tem 4 filhas e 1 neto, formada em Psicologia, com especializações em Nutrição, Queijos, Leite e outros cursos na área de animais. Já teve criação de Cabras e um Laticínio. É aposentada pela Caixa Econômica e agora escreve sobre a família, crônicas e contos tendo 8 livros já publicados.

Fotos: Jota Design por JuRibas
Locação: Escola de Equitação da Hípica Paranaense