Cavalo de férias

O conto desse mês por Neyd Montingelli é uma carta escrita por uma amazona para seu cavalo.

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Oi meu querido,

Como é difícil deixar você ir. Será que você sentirá a minha falta tanto quanto eu vou  sentir a sua?

Você entrando naquele caminhão, tentando voltar, nervoso, não querendo obedecer ao seu tratador, aquelas cordas, aquele barulho. Deu-me um aperto no coração!

Parecia que o estavam levando para um matadouro, que eu nunca mais iria ver o meu amado. O motorista garantiu que TODOS os cavalos fazem assim. VOCÊ não é igual a todos, eu não sou dona de todos, não me interessa o que os outros fazem (bem, um pouco, porque não sou insensível) e afinal EU ESTOU VENDO!

Depois que você estava lá dentro fiquei mais aliviada. Vi que ficou calmo e que o caminhão era confortável, mas aquela cena nunca mais quero ver. Parecia que você estava indo para o cadafalso.

Bem, você foi. Que vazio. O que vou fazer sem você?

Todo dia eu venho aqui e o que mais gosto é entrar pelo corredor das baias, lá no começo e chamar pelo seu nome. E quando você está solto na sua baia então? Coloca sua linda cabeça para fora da baia, faz barulho, relincha, bate no chão quando me escuta, reconhece a minha voz. Quanta emoção! Quanta emoção!

A minha vontade é sair correndo feito uma louca e pendurar-me no seu pescoço e enchê-lo de beijos. Mas, não posso, você não é um cachorrinho. Tenho que me conter por dois motivos: primeiro que você também fica contente e por isso ao extravasar sua alegria, devido ao seu tamanho, podemos nos machucar; segundo que todos em volta ficam parados olhando a cena, parecendo uns bobos. Ninguém entende o que eu sinto por você. E lá vem falatório.

Bem, você foi para suas férias. Foi ficar solto, correr, tomar chuva, tomar sol, comer grama, rolar na grama. Minha família diz: “ele também tem direito a férias, o coitado fica preso o ano inteiro”. Mas e eu? Enquanto você vai ficar solto, eu vou ficar PRESA!!

Nossa! Como sou egoísta!

Sou mesmo. Tenho que admitir. Eu também vou sair de férias por uns dias. Tenho que parar de pensar no amor da minha vida.

MAS NÃO CONSIGO!

Será que você lembra de mim? Será que está com saudades de mim?

Alguns dias se passaram e quando fui na Hípica, tive que ir lá na sua baia. Vazia. O seu cheiro estava indo embora com a limpeza e a pintura nova que estão fazendo. Fiz um teste de boba. Ao entrar no corredor das baias chamei por você, só para ver se outro cavalo atendia. Senti o maior alívio ao constatar que só o meu querido conhecia a minha voz e não era apenas uma coincidência de um som vindo de fora. Já pensou se outro cavalo colocasse a cabeça para fora da baia? Eu ia morrer…

Ao passar por um amigo (não muito amigo) que estava montado no seu cavalo no corredor, ele perguntou se eu estava com saudades do meu cavalo.

-Claro.-Respondi na lata e brava ainda por cima.

-Como que está com saudades do cavalo que te derruba e ele nunca ganha nada?- O atrevido ginete ainda continua.

-Primeiro que ele não me derruba, sou eu que caio dele, segundo que quem ganha é o conjunto e estamos aprendendo juntos a saltar e terceiro que amor entre mulher e cavalo só os dois é que sabem, homem nunca vai entender. – Falei e pronto, podia ter sido mais educada, mas foi ele que pediu.

Não entendo esses caras. Eles também gostam de cavalos, vivem na Hípica e ainda vem com gracinhas? Acho que o que ele tem é inveja do meu cavalo, isso sim. Nunca vi ele chamar e o cavalo responder. Também, o que importa?

Importa que vou ficar quase um mês sem o meu querido, sem montar, sem saltar, sem o meu horário de exercícios. Parece que perdi uma perna.

Ah! Já sei o que vou fazer. Vou visitar o meu amado lá no Haras. Vou tirar umas fotos dele solto, saltando em liberdade, rolando na grama, no pó, conversando com os novos amigos, ao sol. Vou lá ficar com ciúmes dele e matar minhas saudades.

Eu, só eu que te amo mais que todos.

A sua amazona.

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Conto de Neyd M.M.Montingelli.
Neyd nasceu e mora em Curitiba, casada, tem 4 filhas e 1 neto, formada em Psicologia, com especializações em Nutrição, Queijos, Leite e outros cursos na área de animais. Já teve criação de Cabras e um Laticínio. É aposentada pela Caixa Econômica e agora escreve sobre a família, crônicas e contos tendo 8 livros já publicados.

Fotos: Carolina Joppert Peixoto
Modelo: Partout