Montar qualquer cavalo

Mais um conto da escritora Neyd Montingelli que fala do amor das meninas por cavalos.

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Montar qualquer cavalo

A pequena amazona já estava uma mocinha. Gostava muito de animais. Cavalos, principalmente cavalos. Ia ser veterinária, isto estava certo desde que ela tinha 6 anos.

Gostava de cães também. Quando era bem pequena tinha uma cadelinha poodle chamada Nádia que não largava.

Começou a montar com 9 anos, quando o pai descobriu a escolinha da Hípica e logo identificou-se com o esporte. Por ela ficaria com os cavalos todos os dias.

Ela dizia que queria andar à cavalo em outro lugar, só para experimentar. A família foi passar o sábado em um Hotel fazenda. Ela tinha uns 11anos e levou uma amiga que também montava. Mal haviam chegado e as duas meninas já foram explorar o lugar em busca dos cavalos. Encontraram um cercado com vários animais sendo preparados para os hóspedes.

Lá vem a menina, com bota e culote, totalmente preparada para a montaria. O rapaz faz as perguntas de praxe e o pai mais que depressa pede:

– Dê um cavalo melhor para ela. Ela sabe montar. Escolha um cavalo mais animado e não um cavalo de presépio para minha filha. Pode deixar que ela se vira.

O rapaz vai lá atrás e vem com um cavalo pouca coisa diferente dos outros e entrega para a menina que impaciente já monta. Ela queria sair dali sozinha e desbravar aquelas terras, mas o rapaz foi taxativo fazendo um discurso enorme, do que tinha que ser feito, onde andar, em fila, etc., etc. E saíram. O pai voltou para o restaurante e junto com a mãe e a irmãzinha, ficaram na varanda aguardando a volta do passeio das duas.

Depois de uns 40 minutos, uma barulheira é ouvida e uns assobios, uns gritos. A família vai até a ponta da varanda e o que vê? A filha vindo a todo galope naquele cavalo que parecia molenga, com os cabelos longos voando ao vento, (lembrou Lady Godiva, só que estava completamente vestida e ainda era uma criança). Atrás dela vinha o rapaz que deveria estar guiando a comitiva tentando acompanhar o galope com o seu então cavalo de presépio, que a todo instante gritava para ela parar.

Os pais ficaram estupefatos olhando a cena e correram atrás. A menina estava radiante.

– Pai, foi muito legal. Você viu? Consegui que ele galopasse muito rápido. Posso ir de novo, posso? Paga de novo pai, paga.

Difícil foi acalmar o rapaz e pedir desculpas pelo comportamento da menina. Nada que uma boa conversa e um novo pagamento não resolvam. Depois de uns longos minutos os outros hóspedes chegaram e ele não pode negar mais uma volta para a menina fujona. Não sem antes ela prometer que não iria mais sair correndo daquele jeito.

No ano seguinte estava na hora dela sair da escolinha e passar de fase. Estava pronta para saltar 1,0m e ter o seu próprio cavalo. Só que um bom animal não é fácil de conseguir e o preço é sempre alto, geralmente o primeiro cavalo custa o mesmo que o primeiro carro que uma família compra.

O pai foi a procura de um cavalo que estivesse dentro das posses e que fosse adequado a sua princesa, nos meios hípicos.

A mãe também foi procurar, mas por outros lados. Quem sabe não encontraria um cavalo bem barato e bem bonzinho para que a filha pudesse divertir-se e treinar em casa? Moravam em uma casa tipo chácara, com um grande terreno que poderia muito bem abrigar um cavalo e até fazer uma pista para treinos. Por que não?

Mãe e filha procuraram nos classificados e encontraram um anúncio de um animal na Região Metropolitana. Sem o pai saber, lá foram as duas dar só uma olhadinha.

Chegaram a uma casa grande de madeira e uma senhora gordinha e de braços roliços veio receber. Disse que a égua chamava-se Melody e tinha 8 anos. O preço era o mesmo de um cão, e sem pedigree!

A égua estava em uma baia nos fundos do enorme terreno. A mulher disse que o filho já ia chegar do trabalho e poderia conversar melhor. Uma mocinha sardenta surgiu do nada e foi abrindo a portinhola. A enorme égua era realmente bonita. A menina foi logo conversando com a mocinha e as duas foram pegando manta, sela e colocando perto da baia. A mulher gordinha ficou nervosinha e foi brigando com a mocinha:

– Dirce, você não sabe ponhá a sela na égua…

-Mas mãe, a guria disse que sabe ponhá. – A mocinha retruca daquele jeito simplório.

Enquanto falava, entrou na baia e foi puxando a égua pela corda que estava amarrada no seu pescoço. A senhora gordinha estava um tanto agitada, mas ajudou com os artefatos. A mãe da “guria” deu uns passos para trás, tentando não atrapalhar, já que não entendia de encilhar cavalos.

Nisso a menina subindo em um caixote, colocou cabeçada e freio na égua. Depois, com a ajuda da Dirce, colocou a manta e a sela. Com muito esforço, apertou a sela, pois as mãozinhas eram pequenas para aquelas tiras duras e velhas. A senhora gordinha o tempo todo falava que não sabia colocar todas essas coisas em um cavalo e ficou admirada da guria fazer aquilo. Com o cavalo pronto, a menina sem cerimônias subiu no caixote e montou a égua. Neste instante chegou o filho da senhora gordinha, que era o dono da égua. Depois das apresentações ele foi examinar se a sela estava bem colocada e disse para a menina andar com ela pelo terreno. Nem precisava mandar. A menina saiu com a égua toda faceira. Deu a volta na casa, foi e voltou pelo terreno várias vezes, como se já conhecesse a égua há tempos.

Enquanto isso, as duas mães conversavam. A mãe da menina ficou muito nervosa depois dessa conversa. É que a mãe gordinha disse que a égua era muito brava e não deixava ninguém colocar sela nem montar. Só o filho dela podia fazer isso. Ela estava admirada da coragem da menina em fazer aquilo tudo com um cavalo desconhecido e mais ainda da égua ter aceitado a guria colocar a sela e montar sem dar coice.

O pior é que o filho estava ao lado e concordou, mas falava que a égua era boa para trabalho. O que ele queria mesmo era vender o animal.

Quando a menina desceu da égua, a mãe quase rezou ali mesmo. Agradeceu à família toda e disse que entraria em contato caso resolvessem ficar com a Melody.

Na volta para casa as duas conversavam e a menina ainda disse que a égua era muito boa e aceitava os comandos. Só que era muito velha e como disse a senhora gordinha, era muito brava. Adeus Melody, foi um prazer.

Na época as duas ficaram chateadas com o pai que ficou uma fera e não aceitou a idéia de ter um cavalo em casa. Mas, com certeza, foi para o bem, pois algum tempo depois o pai fez um excelente negócio com um cavalo baio do interior do estado. A menina ficou muito bem com ele, ganhando competições, troféus e medalhas e só aumentando o seu amor, a sua vontade e o seu destemor em montar qualquer cavalo, independente da fama que tenha, até hoje, anos depois.

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Conto de Neyd M.M.Montingelli.
Neyd nasceu e mora em Curitiba, casada, tem 4 filhas e 1 neto, formada em Psicologia, com especializações em Nutrição, Queijos, Leite e outros cursos na área de animais. Já teve criação de Cabras e um Laticínio. É aposentada pela Caixa Econômica e agora escreve sobre a família, crônicas e contos tendo 8 livros já publicados.

Fotos: Hipics