Mais um conto escrito especialmente para o Hipismo&Co pela Neyd Montingelli.
Esse é em formato de cartas e mostra como um cavalo pode tocar a vida de um menino.
Querido Filho,
Como está você? Eu e sua mãe estamos com saudades. Ela chora cada vez que falamos a seu respeito e vive olhando suas fotografias. Seu porta retrato em cima do balcão deve estar todo melado de tantos beijos que ela dá.
Eu espero que as suas escolhas tenham sido acertadas e que você esteja muito bem no seu novo emprego, com sua esposa, com seu apartamento, com sua nova vida e que um dia possa voltar para sua casa e quem sabe trazer o seu filho para conhecermos.
Os anos passam, meu filho, as lembranças ficam. Com estas coisas modernas de hoje a gente escreve mais do que conversa. Vive-se de imagens. O que seria de nós sem as imagens na memória da cabeça e principalmente as imagens das fotografias e as lembranças que elas trazem? Ainda bem que guardei as fotos de nossa vida com você, pois agora é só o que temos e a todo instante podemos recordar as fases do seu desenvolvimento naquelas fotografias quase amareladas e tanto manuseadas. Você correndo aqui pela fazenda quando ainda era um garoto. Seus brinquedos, seu animal favorito.
Uma coisa: Você esqueceu do seu cavalo?
Quando você era pequeno, adorava aquele cavalo. Bialy era o seu companheiro inseparável. Vocês faziam uma dupla e tanto! Só faltava dormir nas cocheiras!
Queria que fizéssemos o seu quarto em cima da baia dele. Imagine só!
Quando montou nele pela primeira vez, nem tinha todos os dentes e seus pés não alcançavam o final da sela. Você colhia goiabas, maçãs, laranjas e empanturrava o coitado com as frutas. Ele o seguia pela fazenda feito um cachorrinho e os empregados achavam graça naquele enorme cavalo gostar tanto de um pirralho igual ao meu menino.
Lembra de onde você tirou o nome dele? Bialy: quer dizer branco em polonês e o seu avô o chamava assim, porque você tinha a pele muito branca quando nasceu.
Depois você passou a ter aulas com aquele instrutor de baliza e tambor, mas a sua mãe ficou nervosa e com medo que o “bebê” dela fosse cair. Então as aulas foram de salto e sua mãe ficou mais tranquila. Como você ficou feliz! Começou até a participar de algumas competições. Lembra disso? Ganhou troféus e medalhas. Sua mãe limpa e lustra aqueles troféus toda semana.
Fizemos até uma pista para você aqui na fazenda. Só para você treinar com o seu brancão.
Mas depois vieram os amigos, as festas, a namorada. A fazenda era muito longe da cidade, você cresceu, o cavalo já não era tão importante, tão amigo. Você estava moço, os interesses mudaram. Você foi embora, foi estudar no estrangeiro, casou por lá.
O que aconteceu? Será que tudo isso fez você esquecer do seu cavalo? Você nunca mais perguntou do seu Bialy, depois que ele morreu então, você esqueceu dele para sempre.
Com amor,
Seu pai.
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Querido Pai,
Ao receber sua carta hoje, meu coração ficou pequeno e eu vi o quanto sou egoísta em não compartilhar as minhas alegrias e o meu maior orgulho com os meus pais.
Eu nunca fui de escrever ou de falar, você sabe disso.
Você pergunta se eu lembro do meu cavalo, claro que lembro, todos os dias. Bialy foi o meu primeiro amigo e com ele eu consegui desbravar todos os cantos da nossa fazenda e deixei de ter medo, ganhei coragem para ultrapassar os obstáculos. Por isso estou aqui, nesta posição no meu trabalho, que exige muito esforço e determinação.
Estou mandando estas fotos do seu neto com o novo Bialy. Um cavalo que compramos para o Junior bem parecido com aquele que deixei aí, para que ele tenha as mesmas alegrias que eu tive graças a oportunidade que o meu pai me proporcionou um dia deixando que eu fosse amigo de um cavalo branco tordilho.
Pai, estou fazendo com meu filho o que você fez comigo: deixando que ele conheça a vida por ele mesmo e dando apoio em tudo. Ensinando a ter coragem, por isso é que comprei esse cavalo, grande, forte e parecido com o meu Bialy.
Espero que eu possa ser um pai tão especial para meu filho, como você foi para mim.
Obrigado meu amado pai.
De seu filho.
Conto de Neyd M.M.Montingelli.
Neyd nasceu e mora em Curitiba, casada, tem 4 filhas e 1 neto, formada em Psicologia, com especializações em Nutrição, Queijos, Leite e outros cursos na área de animais. Já teve criação de Cabras e um Laticínio. É aposentada pela Caixa Econômica e agora escreve sobre a família, crônicas e contos tendo 8 livros já publicados.
Fotos: Jota Design por JuRibas
Modelo: Alexandre
Locação: Haras Adal