Yoga e Hipismo por Sergio de Fiori

O cavaleiro de adestramento Sergio De Fiori escreveu um artigo sobre os benefícios que a Yoga agrega ao hipismo, mas especificamente para a modalidade adestramento.

Eu já pratiquei Yoga e me lembro o como me ajudava com a respiração em cima do cavalo, mas lendo esse texto do Sergio, percebi como a Yoga pode ajudar em muito mais coisas. Vale a pena dar uma lida, abaixo reproduzi o artigo assinado pelo cavaleiro de adestramento Sergio De Fiori.

yoga
Em competição com Akira AMM (Créditos: Tata de Fiori)

“Escrever sobre Yoga é perigoso. O assunto é extenso, dos mais antigos, e não tenho nenhuma formação que me permita ensinar nada disso aos outros. Por outro lado, após dez anos de prática — com algumas interrupções — percebo que a graça está em deixar que os efeitos dessa tradição, meio estranha a nós, ocidentais, ultrapassem as bordas do mat, o “tapetinho”. Pretendo mostrar aqui que o nosso esporte, o Adestramento, é um prato cheio para isso.

Alguns colegas do mundo hípico ficam surpresos quando digo que praticar um pouco de Yoga me ajuda muito a montar. Outros me olham com essa cara de que “isso é óbvio”, e alguns (poucos) imediatamente querem saber o motivo. Às vezes, e mais raramente, a pessoa escuta e, alarmada, pensa que está falando com algum excêntrico que as vezes se veste de gente normal e sai na rua. Para estes, um lembrete: ganhar a vida montando cavalos de Adestramento é bem mais excêntrico.

Se você monta, já foi instruído (talvez aos berros) a alterar a posição de uma ou várias partes do corpo com o cavalo trotando ou galopando. Certamente foi um momento frustrante, já que temos importantes limitações de coordenação, força, mobilidade e consciência corporal que impedem uma equitação correta. Muitas vezes não temos nem mesmo consciência dessas limitações. Melhorar a elasticidade, aprimorar o equilíbrio e a consciência corporal, bem como tonificar certos músculos que não usamos normalmente, portanto, é imprescindível para montar bem. Além disso, montar a cavalo, no longo prazo, pode acarretar lesões diversas. Aprender criteriosamente posturas do Yoga (chamadas asanas, em sânscrito) é um caminho bastante completo para lidar com essas dificuldades e permite que a pessoa aos poucos se livre dessas limitações (ou melhor, de parte delas) e tenha um assento mais correto e ajudas mais eficazes.

Coisas que também dá para providenciar na academia, certo?

Ocorre que aprender asanas é um processo lento de conquista de novas possibilidades com o corpo, onde o resultado é percebido em posturas cada vez mais estáveis, confortáveis e interessantes plasticamente. Exatamente aquilo que, ao longo de anos, desejamos de um cavalo de Adestramento: uma bela pirueta, por exemplo. A prática de asanas é uma chance de entendermos um pouco melhor o que é dominar, aos poucos, a habilidade de realizar coisas que antes não éramos capazes. Compreender melhor esse processo ajuda-nos a estar atento e a corrigir expectativas arrojadas demais: torna-se mais natural questionar se o cavalo está apto naquele instante a realizar uma certa figura ou se temos que dar um passo atrás para prepará-lo melhor.

Hora de voltar para o Yoga, e para mais um pouco de sânscrito. O pré-requisito para chegar a qualquer asana é uma planejada e cuidadosa seqüência de movimentos que aos poucos constrói a postura final, e a essa seqüência dá-se o nome de vinyasa. Ele garante as duas características fundamentais do asana: estabilidade (shtiram) e conforto (sukham). Se uma postura é instável e não houver conforto possível, isso significa que o corpo não está fisicamente preparado para aquilo. Retomando o exemplo da pirueta, as semelhanças são incríveis: o cavalo somente irá apresentar as qualidades que definem uma boa pirueta (flexibilidade, leveza, cadência, regularidade) se a preparação for adequada, isto é, se mostrar um aumento da atividade e da reunião antes de iniciá-la. É possível descrever muitos paralelos como esse, e apropriar-se deles implica em uma relação mais empática com o cavalo, enraizada em compreensão, perseverança e paciência — virtudes bem vindas para qualquer cavaleiro.

Praticando Yoga nos propomos a focar na própria postura, relaxar músculos desnecessários, tomar consciência da respiração. Este último é um aspecto chave: conectar-se com a própria respiração abre portas para estar atento ao momento presente, algo imensamente necessário com cavalos. O que se quer no Adestramento de alto nível é dançar com o cavalo, passando a impressão de que existe facilidade e leveza, com as articulações do cavaleiro em sintonia fina com os movimentos do cavalo. Tal domínio sobre o corpo só é possível através de uma respiração ritmada, e treinar isso fora do cavalo é, para dizer o mínimo, benéfico.

Há milênios os yogis fazem uso de certas técnicas respiratórias com o intuito de criar condições apropriadas para o estado meditativo. Isso funciona graças a uma relação bastante estreita entre o padrão respiratório e o estado mental: quando estamos ansiosos ou irritados, a respiração torna-se mais superficial e a freqüência respiratória mais acelerada. Da mesma forma, quando estamos serenos e em repouso, a respiração tende a ser mais profunda e lenta. É possível, com treino, fazer uso da respiração para, saindo de um estado de agitação mental, obter concentração e foco, tão necessários para montar — e muito mais para competir.”

Aqui você pode ver o artigo original do Sergio de Fiori.