O homem passou a montar cavalos há muitos e muitos anos atrás. No inicio (época antes de Cristo) o cavalo era o principal transporte e assim foi usado e domesticado até que inventaram os carros. De lá para cá o cavalo deixou de ser um meio de transporte e passou a ser domesticado. Então passou a ser criado e foram desenvolvidos esportes, em um primeiro momento como “hobby”.
Acontece que hoje em dia este “hobby” criou 3 modalidades olímpicas e mais uma infinidade de modalidades não olímpicas. O setor equestre cresce anualmente mais do que muitos setores da economia. Há geração de empregos, comercio (exterior inclusive), novos negócios sendo abertos diariamente para atender uma grande demanda.
Competições acontecem semanalmente. O número de participantes destas competições é fantástico. Há concursos entre raças, associações, federações, regionais, estaduais, nacionais e internacionais. O calendário anda complicado de ser escolhido. Muitos competidores acabam escolhendo as provas, fazendo um calendário no ano para poder planejar o capital, performance do conjunto e demais compromissos rotineiros como feriados, aniversários, etc.
Foram criados grandes clubes por todo o país. Estes são hoje considerados modelos de como devem ser centros esportivos equestres.
As competições já perderam seus aspectos de amador e ganharam forma profissional. Há novas profissões que surgiram para conseguir ter competições que atendam o esperado pelo Mercado. Há delegados técnicos, diretores de federações, clubes, associações, juízes especializados, entre outros.
Uma das modalidades equestres que mais tem se desenvolvido aqui no Brasil desde os Jogos Olímpicos de Atlanta em 1996 é, sem sombra de dúvida, o Salto.
Infelizmente, neste mês de abril, em uma destas grandes hípicas, no estado do Rio de Janeiro, houve a morte de 2 cavalos, devido a uma descarga elétrica em um conjunto de baias provisórias, chamado de circo, montado para estabulagem de competições. (veja aqui o post sobre esse acontecimento)
O interessante é que muitas pessoas são do meio hípico e não estavam presentes estão chocadas com tal fato. Todos estão perguntando de quem é a culpa, e não estão se preocupando muito com o qual foi o motivo que levou estes cavalos à morte.
Então para acalmar todo o meio equestre, a Confederação Brasileira de Hipismo (CBH) publicou a Diretriz Técnica de número 01 2014 obrigando que em todos os concursos onde tenha que ser armado as baias provisórias, o comitê organizador coloque a disposição um eletricista e um bombeiro para a instalação e manutenção do circo.
Sabem, na verdade a CBH não tinha feito esta diretriz anteriormente porque pelas Leis em vigência em nosso país, sempre foi obrigatório que estes profissionais (eletricista e bombeiro) estivessem devidamente nomeados e em “plantão” durante estes eventos.
A legislação fala muito mais que isso, diga-se de passagem. Todo eletricista, além de ter seu curso de eletricista, deve também possuir um curso de segurança em instalações elétricas, segundo a Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho de número 10. Além disso, esta mesma Norma, ainda fala que todos que forem até mesmo trocar uma lâmpada devem participar deste treinamento. Este treinamento, por sua vez, deve ser ministrado por profissional da área de engenharia de segurança do trabalho, um eletricista e um médico do trabalho. Esta norma também diz como deve ser feita toda a instalação provisória, desde sua alimentação no quadro, até cada lâmpada ou tomada dentro de cada baia. Também proíbe o uso de benjamins, também chamados de “T”, solicitando substituí-los por filtros de linha, assim como prescreve como os fios devem ser fixados e como devem sair do Quadro de Força, além de deixar claro como devemos ter a proteção a raios e descargas elétricas (isolamento). Com relação ao material e forma de se montar o circo, há a Norma Regulamentadora de número 18 que também dá algumas orientações como local de sanitários, de alimentação e dormitórios para pessoas, entre outros.
Já o Corpo de Bombeiros possui uma ampla legislação dizendo como devem ser implantadas medidas de prevenção dentro das empresas (sim, uma hípica é uma empresa, possuidora de CNPJ e que deve atender a toda esta legislação), bem como temos a Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho de número 23 que também diz que é necessário ter medidas implantadas para combate e prevenção a incêndio. Lógico que dentro destes circos temos que ter, pelo menos, extintores de incêndio em número suficiente para sanar quaisquer problemas.
Cabe as empresas, nesse caso hípicas que estão promovendo a competição, atender a toda a legislação como uma medida de prevenir acidentes como o ocorrido e não meramente para evitar ser multado em casos de fiscalizações ou de acidentes.
Devido a atividade econômica ser a prática de um esporte caro, muitas vezes é dito para montar isso ou aquilo “da maneira hípica” que nada mais é que uma maneira simples, provisória e que, normalmente, não atende as Normas.
Outra fala muito comum é: Vamos terceirizar que aí todos os problemas são de responsabilidade da empresa terceirizada. Isso também não é verdade. Segundo a legislação vigente há a corresponsabilidade. Portanto se o seu terceirizado errou, ou não atendeu a legislação, você está encrencado junto com ele.
Faz-se hora de pararmos de pensar como amadores e passarmos a enxergar o meio equestre como Profissional, como ele realmente é.
Com isso é muito importante não fazer mais o que é comum, barato e amador e passar a lidar com estes centros equestres como empresas que devem atender a toda a legislação por se tratar de vida de seus clientes, funcionários e, principalmente, cavalos alojados.
A culpa do acidente que trouxe tanta perplexidade no Rio não deve ser dada a uma pessoa. Isso não trará os cavalos de volta, infelizmente.
É hora de passarmos a agir preventivamente, já a partir deste acidente, procurando as causas e não quem é o culpado. Ao se achar as causas precisamos analisar e implantar medidas de controle para que NUNCA mais esse ou outros acidentes com cavalos aconteçam em eventos como o do Rio de Janeiro.
Sabem, Frank Bird em 1978 já dizia que “os mesmos princípios efetivos de administração podem ser usados para eliminar ou controlar muitos, senão todos, os incidentes comprometedores que afetam a produção e qualidade”. Isso significa que ao prevenir e controlar os incidentes por meio do controle de perdas, toda a empresa (pessoas, equipamentos, materiais e ambientes) estará segura. Assim, além dos acidentes com lesões pessoais e dos cavalos, passa-se a considerar também as perdas decorrentes dos danos à propriedade e ao negócio da empresa.
Assim, passa-se a compreender que a ocorrência de acidentes provoca desde perdas pequenas até as maiores quer do ponto de vista humano como os materiais, sociológicos, humanitários e econômicos. A distribuição da frequência dos acidentes em termos da gravidade que apresentam se distribuem em forma de uma pirâmide que chamamos de Pirâmide de Frank Bird Jr.
A pirâmide de Frank Bird Jr. indica que a cada 600 incidentes (quase acidentes) , 30 são de perdas materiais, 10 acidentes são com lesão leve e 1 acidente é com lesão grave ou fatal. Diante desse quadro, é possível perceber que é tolice direcionar os esforços de prevenção de riscos para poucas ocorrências que acabam, somente, em lesões sérias ou incapacitantes ou fatais.
Também conhecido como Iceberg de Heinrich, esse modelo parte do princípio de que os custos envolvidos em acidentes estão dentro de uma relação 4:1 quando se consideram seus custos indiretos (gastos assumidos pelas empresas em consequência de perdas indiretas dos acidentes ocorridos) e diretos (quantia total dos benefícios pagos pelas companhias de seguro). Ou seja, o custo indireto dos acidentes ocorridos equivale a 4 vezes seu custo direto.
A ponta do iceberg representa aquela pequena parte que ressalta em termos de custos, quando um acidente acontece. O custo menor está na parte superior e visível do iceberg, que corresponde a 1, por exemplo. A esta parte correspondem:
- Custos médicos para a lesão ou doença
- Custos do cavalo
- Indenização correspondente à compensação da perda sofrida.
Estes são os menores custos: na parte imersa e mais superficial, há uma área bem maior que envolve uma perda com um custo que corresponde de 5 a 50. E corresponde a fatores como:
- Danos nas construções
- Danos nas ferramentas e equipamentos
- Danos em produtos e materiais
- A interrupção e do ritmo da produção
- Custos legais
- Custos com suprimentos e equipamentos de emergência
- Tempo de análise do acidente
Na parte mais profunda do iceberg temos ainda outro nível de perdas que corresponde ao custo de 1 a 3 referente a:
- Custo da substituição dos acidentados e do treinamento
- Hora extra
- Tempo extra de supervisão
- Burocracia
- Perda de negócios e oportunidades
Assim, qualquer acidente traz perdas visíveis e outras muito maiores – invisíveis – mas de grande impacto no Mercado. Por essa teoria, fica claro que desenvolver programas de segurança que enfoquem apenas os custos diretos é perder uma grande oportunidade de evitar gastos muito maiores.
Por esses motivos que é necessário prevenir acidentes dentro das hípicas, haras, clubes, coudelarias, entre outros. As consequências desses acidentes e incidentes que ocorrem por agirmos de forma amadora (pensando que o local onde nossos queridos cavalos moram é a continuação de nossas casas) faz com que coloquemos o crescimento do meio em dúvida e com uma velocidade infinitamente menor, além de fazer com que muitos novos adeptos não entrem ou não permaneçam por muitos anos praticando estes esportes.
É hora de mudar de atitude! É hora de se profissionalizar e seguir tudo que já existe!!
Escrito por: Priscila Thomazelli – Atleta, Instrutora e Treinadora de Adestramento – Engenheira Civil, de Segurança do Trabalho, Meio Ambiente e Qualidade.