A escritora e mãe de uma jovem amazona, Neyd Montingelli, nos enviou esse texto sobre como é ter uma filha apaixonada por cavalos e pelo hipismo.
Veja abaixo a crônica de Neyd:
Sua filha monta? Vocês tem chácara?
(por Neyd Montingelli, mãe de Rafaella Montingelli)
Como eu tenho quatro filhas, sempre digo o nome delas, o que cada uma faz, o curso que estão fazendo ou já fizeram. Falo da filha número 4, a menor de 11 anos e depois da minha amazona, senão nem chego a falar da minha pequena .
– A Rafaella está cursando Veterinária e pratica hipismo, ela salta com o cavalo.
Em seguida vem as perguntas, mesmo que eu tenha dado algumas explicações:
-Sua filha monta à cavalo? Vocês têm chácara?
E aí vem as aquelas inúmeras perguntas:
– Você não tem medo que ela caia?
– Não tem medo que o cavalo avance nela?
– Que ela leve um coice?
– Onde fica o cavalo? O que ele come? Quem cuida? Tem professor para isso? Quanto ganha uma pessoa que monta? Que prêmios ela ganha nas competições? Ela vai para as Olimpíadas? Custa caro manter um cavalo?
Algumas vezes consigo responder parte dessas indagações sem antes ter que escutar:
– Eu já andei à cavalo. Eu já caí de um cavalo. No sítio do meu tio tinha um cavalo baio que puxava carroça. Eu andei muito à cavalo naqueles hotéis fazenda, etc. etc.
Chega a ficar engraçado a conversa com muita gente. Todos tem alguma história com cavalos, com alguém envolvendo cavalos e sempre querem contar. Depois lembram que o assunto começou comigo e voltam as perguntas:
– Mas é aquela sua filha linda, a Rafaella que monta à cavalo? Como?
Daí, como a atenção volta para mim, posso explicar o que é REALMENTE o hipismo.
Aliás, minha filha não faz hipismo. Isto porque hipismo não é simplesmente montar a cavalo. Segundo a Wikipédia, “Hipismo é a arte de montar a cavalo que compreende todas as práticas desportivas que envolvam este animal”. Portanto, é uma ARTE.
É claro que eu não vou ter uma enciclopédia na mão para dizer com estas palavras o que quer dizer o Hipismo, então eu explico assim:
“Hipismo é o esporte onde a amazona faz o cavalo saltar vários obstáculos na ordem que eles estão na pista, no menor tempo possível, sem derrubar nenhum, com muita obediência e elegância”.
Eu noto que as pessoas trocam imediatamente a imagem que tinham da minha filha na cabeça: primeiro pensavam nela como um peão de rodeio, montada em cavalo chucro, inclusive com chapéu de vaqueiro. Depois pensavam nela com aquela roupa brilhante e colorida, chicote na mão, joelhos próximos ao corpo e as pessoas apostando, jóquei. Nada disso pessoal!
Ainda bem que temos celulares com fotos!
Quando mostro a foto da minha bela filha, elegantemente montada e aparamentada em seu cavalo, saltando um obstáculo, só escuto: Ohhhhh!
Que satisfação para esta mãe!
Depois disso vem as explicações. A minha filha não monta UM cavalo. Ela monta o cavalo DELA, que tem nome e muitos dados,tem documentos, tem gostos, tem vontades, tem horários, tem bons hábitos, tem maus hábitos, tem um quarto, tem gastos mensais, tem um tratador, tem roupa de frio, tem medicamentos, tem um médico e uma ficha médica. Tem uma árvore genealógica e parentes ilustres pelo Brasil, tem medalhas e troféus. Recebe ração balanceada, feno especial e banho após o treinamento. Como agrado ganha cenoura cada vez que ela chega perto e para prevenir a cólica come semente de linhaça. Periodicamente tenho que dividir o óleo que iria usar nas minhas frituras com o primeiro amor da vida dela, pois sabemos que faz bem para a saúde dele.
Ao compartilhar estes detalhes com as pessoas, por vezes soa como soberba, por vezes ficam até com pena…
Deixando de lado os achismos das pessoas, o próprio círculo familiar demorou muito até descobrir e inteirar-se do que era realmente o hipismo na vida de uma menina que agora virou moça.
Minha filha começou a montar com 9 anos, sob os meus veementes protestos e todas aquelas frases costumeiras e desesperadas de mães, que incluíam sempre os verbos cair, quebrar, machucar. Ah, e também tinha o apelo monetário. Mal sabia eu o que seria a expressão “gastos” no decorrer dos anos.
A danada da menina identificou-se de imediato com os cavalos. E uma coisa engraçada era que ela saía-se bem nas provas. Ganhava medalhas, troféus, brindes, presentes. Ficava no lugar mais alto do pódio, aparecia nas fotos, na revista, nas listagens da Hípica, foi até competir em outros estados. Orgulho do papai, da mamãe, dos vovôs, dos titios, do treinador.
Daí ela tinha que sair da escolinha e ter o seu próprio cavalo. Acabou a etapa de principiante. Lá fomos nós atrás de um cavalo para comprar. A amiga Ju Ribas lhe emprestou uma égua, a Rita Lee foi então por longo tempo o “primeiro amor, amor maior” daquela menina. Aprendizado difícil, trabalho duro, pois quando passa para essa fase do cavalo próprio, as aulas são intensificadas, puxadas e sempre o treinador exige maior concentração e maior esforço.
Depois de ganhar medalhas, troféus, fazer várias viagens, Rafaella recebeu seu próprio cavalo, o Babu o cavalinho da Barbie como era chamado, isto porque era pequeno e muito bonitinho, sem ascendencia conhecida, porém com umvigor explêndido. Com ele minha filha encheu as prateleiras de medalhas e troféus e os álbuns de fotos.
Hoje, em outra fase de sua carreira, com o seu “primeiro amor, amor maior” novo que é o Niklord, minha filha está mais um pouco mais madura no seu esporte. É mais consciente no que faz e sabe as particularidades das suas ações. Está cursando Medicina Veterinária e procura entender o cavalo como ser vivente e não apenas como seu amigo. Gosta muito de cavalos e procura aprofundar-se no estudo deles, mas sei que vai fazer isso no decorrer do curso e não como uma obsessão.
Namorado? Ela tem sim. Não há concorrência entre eles, porque homens não competem com cavalos, se competissem, os homens iriam perder é claro. Então é melhor que cada um tenha o seu lugar no coração de uma mulher que é amazona.